quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

DEUS, POR MALBERON. INTERLÚDIOS, PARTE 1

DEUS, POR MALBERON
O ENCONTRO DE HANS KALYMOR COM O PRIMEIRO VAMPIRO DO MUNDO
Extraído do livro O IMORTAL KALYMOR.






_Quem diria que um dia eu estaria do outro lado do mundo? Quem diria que existia o outro lado? Foi o que, incansavelmente, repeti quando avistei, ao longe, o primeiro sinal de terra, depois de algum tempo cruzando o oceano. Sorri, por diversos motivos, como uma criança inocente desbravando um novo conhecimento.
Não era mais novidade que o mar não tinha serpentes gigantescas capazes de abocanhar por completo embarcações como aquela, nem as águas acabavam no fim do mundo, despencando num penhasco para além dos limites do planeta. Todos os que me acompanhavam já sabiam disso e, certamente, também já sabia a própria embarcação, que já várias vezes havia feito aquele percurso. Mas ver a verdade, constatá-la com meus olhos era magnífico. Cruzei séculos de existência e, como um imortal, sofria da dor terrível que acompanha todos os que estão na mesma condição minha. A dor da mudança, do futuro evoluindo mais rapidamente que a nossa capacidade de apagar o passado. O fardo de estar preso ao tempo de nossas origens. Certamente, os tripulantes do navio sentiam alguma coisa ao verem, também, as margens se aproximando. Certamente, brilhava em seus corações um sentimento de alegria por estarem indo ao encontro de um mundo novo, tão cheio de possibilidades e expectativas. Mas, certamente, não o viam como eu. Não com a mesma intensidade, não com o mesmo sabor. Muralhas incríveis caíram por terra, em meu conceito, quando o navio ancorou e pisei nas areias deste continente. Enquanto o sorriso tomava os inquietos e diferenciados tripulantes que não temiam descer, eu olhava para o mar atrás de mim e sentia que suas pequenas ondas me puxavam de volta, como se o passado quisesse não me deixar continuar. Um medo cresceu em minha mente, uma insegurança justificada para alguém em minha situação. Mas eu não podia sucumbir ao mar, não podia ceder ao chamado dos séculos anteriores. Firmei, então, meus pés, no meio da praia e longe das águas, dando um abraço caloroso no desconhecido.

_Onde foi que você desceu? _Pergunta o padre.

_No Brasil, numa das praias do Nordeste.

_Verdade? _Indagou, com um tom meio alegre e surpreso.

_Sim! E que lugar maravilhoso! Nunca antes havia estado num local onde o Sol brilhava de uma tonalidade diferente, como se fizesse questão de exibir seu espetáculo. E as matas, espalhadas por todos os cantos, apresentavam um verde mais gracioso que todos os outros verdes. Os rios cortavam a terra como artérias, de igual ou maior valor que uma. A fauna e a flora exuberantes se decoravam dos mais formosos detalhes, querendo encantar aqueles que as admiravam. E não somente essas belezas me extasiaram, mas também a população em geral, uma miscelânea de povos, que se uniam para formar uma raça. Mistura de todos os cantos do mundo, sinal de que esta terra havia sido tomada, invadida. Os brasileiros eram, na verdade, portugueses, franceses, alemães e italianos. E mesmo eles não eram “eles” mesmos, pois eu sabia quais eram suas verdadeiras origens. Brasileiros genuínos, havia somente um povo. Erroneamente chamados de “índios”. Mesmo claramente muito modificados, ainda eram admiráveis por sua cultura, que se fundia em muitos aspectos com a minha. Viviam em tribos, como vivi, utilizavam arcos e lanças para a caça, como um dia eu fiz. E mesmo a ofensa de seus corpos nus era uma peculiaridade sem igual, pois conseguiam mostrar em sua inocência que a maldade estava mesmo nos panos que nos cobriam. Lamentei por não ter tido um contato mais intenso. Por não ter chegado aqui muitos anos antes, quando eram ainda chamados por seus nomes originais. Quando ainda não haviam sido usurpados, maculados, “catequizados”.
Procurei me ater ao maior número possível de detalhes, nesta nova terra. Descobrindo coisas inusitadas em cantos também inusitados...


CONTINUA...

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