sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O Imortal Kalymor: Interlúdios. Parte 2 da Crônica: A Catedral.


Ele entrou no início desta noite, acanhado e temeroso. Por séculos não se confessava, literalmente. A catedral o atormentou logo em sua chegada, como se ele fosse um insulto, uma afronta. E realmente o era, pois aquele templo de paz estava sendo visitado pelo maior de todos os pecadores. Era o que ele pensava, o que julgava ser. A dor do remorso aumenta consideravelmente o sentimento de culpa. Acho isso uma tolice, mas infelizmente é uma verdade, até mesmo em seres superiores como ele. Mas não vou meditar sobre isso agora. Vou apenas me deliciar com as lembranças que extraí de sua mente neste instante...

“_ Padre! Faz muito que não venho num lugar como este. E só hoje reuni forças para aceitar meu castigo. O que devo fazer?
_ Conte-me sua historia, meu amigo!_ Diz o padre_ Deus está lhe ouvindo e pronto para perdoá-lo por qualquer pecado que tenha feito. Apenas abra seu coração e ele abrirá seus braços.
_Acredita que ele esteja ouvindo?  Acredita mesmo na igreja, nos santos e nos anjos? Acredita na sua fé?
_Se eu não acreditasse estaria aí no seu lugar agora. E, se você também não acreditasse, este lugar estaria vazio.”

Assim eles começaram. Visivelmente Hans estava receoso, e logo desejou uma espécie de afronta com o padre. Uma defesa instintiva, um ataque na hora do medo.

“_Meu nome é Hans Kalymor, filho de Carlos e Simone Kalymor. Ambos cristãos que morreram em nome de Deus. Não sei como foi. Era muito pequeno e foi só o que me disseram. O lugar era uma planície ao leste do reino de Yarkan, na atual Eslováquia. O ano, bem, não vá se assustar, padre, 1196 depois de Cristo.”

Isto foi um choque...

“_Como disse, a planície era linda. Vivíamos em barracas ou casas construídas para logo serem abandonadas. Éramos nômades. Uma tribo de nômades que pregava a palavra de Deus e os ensinamentos de Cristo por todo o reinado. Não éramos a única tribo de cristãos que existia. Havia dezenas. As pessoas gostavam das palavras e da felicidade que passávamos para elas. Claro que existiam outros credos e seus seguidores não gostavam nem um pouco de nós. Mesmo assim continuávamos. Vivíamos da hospitalidade do povo, da caça, da venda de artesanato e da luz dos céus.
Quando meus pais morreram, um grande amigo deles me criou. Altair, clérigo de Deus. Era assim que chamavam os atuais padres. Ele não tinha filhos, e viu em mim uma possível família. Eu o via da mesma forma.”

Altair. Há muita consideração quando ele pensa nesse nome. Muito carinho e devoção. Mas também aí reside um de seus maiores pecados...

“Observava a alegria dos pais quando os filhos traziam a primeira presa. Ficava um pouco triste. Não tinha para quem trazer aquilo como as outras crianças tinham. Lembrava do dia da colina e sempre que conseguia caçar algo, levantava em direção ao sol. Mostrava minha presa, de alguma forma, para meus pais.”

Um órfão. A dor de uma criança sem os pilares de uma família. Projetando em um elemento grandioso suas imagens. Representando a importância que tinham para ele tanto quanto o sol para o mundo. Desta forma invejava os outros. E a inveja o isolou.

“Certa vez no almoço as crianças estavam jogando restos de comida umas nas outras e um pouco bateu no meu rosto. Todos riram sem parar. Fiquei muito bravo. Até que uma menina, que eu jamais havia conversado antes, tocou em meu rosto, me pedindo desculpas. Por um instante me paralisei. Não sabia por que, mas não consegui dizer uma única palavra. Ela limpava meu rosto e eu apenas observava. Depois disso, olhei para Altair. O velho clérigo já estava me olhando. E, por baixo daquela curta e grossa barba, pude ver um sorriso.”

 Até este momento. Quando conheceu a pequena e doce Marina...

CONTINUA....

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