sexta-feira, 18 de março de 2011

O Imortal Kalymor: DEUS, POR MALBERON. INTERLÚDIOS, PARTE 8

Fiquei em um tipo de transe, longe totalmente dali, enquanto caminhávamos ao término de uma escada que conduzia a um corredor extenso, porém estreito, iluminado por um único facho de luz que corria pelo teto, do início até o fim. Ao concluirmos o lance de escadas, Malberon soltou meu braço, movimento esse que retornou minha consciência àquele instante, e seguiu à minha frente, devido ao pequeno espaço que havia para passarmos lado a lado. Nas paredes, pilares de meio metro de altura ostentavam cúpulas de um vidro espesso que quase alcançavam o teto, cada um disposto em diagonal ao outro, de modo que quem passasse pelo corredor veria um à direita e, passos depois, outro à esquerda, e assim sucessivamente. Reparei no primeiro pilar, que tinha entalhado alguns rabiscos que lembravam gravuras de povos primitivos. Não compreendi o significado, e isso por si só já me foi estranho, pois não havia uma língua que eu não soubesse. Mas, no meio do pilar, havia uma palavra que identifiquei: “Goblin”! Então, direcionei o olhar para o interior da cúpula e assustei-me ainda mais, pois nela estava empalhada, de corpo inteiro e em pé, a figura de uma daquelas criaturas.















A perfeição do trabalho era tão incrível quanto diabólica. Memórias de mais de 500 anos retornaram, de uma era tão diferente, de um mundo distante, onde aquela espécie caminhava ao lado dos homens. Ao mesmo tempo em que observava perplexo os detalhes de seu corpo e a cor viva de seus olhos, suas grandes orelhas pontiagudas e a tonalidade verde de sua pele, fiquei imaginando o que meus passos me mostrariam, à medida que avançassem pelo corredor. Uma satânica coleção haveria de ali existir.
Não tive tempo de olhar muito para o goblin, pois Malberon não cessou sua caminhada pelo corredor. Continuei seguindo-o, enquanto as demais cúpulas lançavam em minha face um centauro e, mais para frente, um minotauro, um anão. O vampiro nada dizia, apenas olhava o chão como um velho faz quando anda, atento a qualquer obstáculo. Passamos quietos por um elfo, um kobold e, mais adiante, um ogro, parando somente em uma das cúpulas que mostrava um ser diferente.

_Veja o que o este continente escondia! Esta espécie vivia em matas densas e balançava entre as árvores com mais graça e agilidade que qualquer chimpanzé. _Apontou para a direita, onde havia um humanóide de pele lisa e negra, com braços compridos e mãos aparentemente pegajosas, de queixo grande e fino e nariz pontiagudo. E o corpo afilado na altura do abdome, formando uma única perna.





Chegamos em mais uma cúpula, onde ele novamente comentou:

_Não raras vezes, contemplei homens lançando-se ao mar, embevecidos pelo encanto destas mulheres, que deslizavam pelas águas com mais leveza que os peixes. _Apontou para uma mulher, incrivelmente linda e de seios fartos, cuja parte inferior do corpo era formada de escamas, terminando com uma nadadeira.

Passos adiante, continuou:

_Em lugares gelados, bem longe daqui, soube da existência de um tipo diferente de ogro, com pêlos que recobriam o corpo inteiro. E pés enormes, desproporcionais. _Mostrou um ser com essas características.

Minha consciência gritava. Espécies que eu acreditava habitarem somente o folclore do povo estavam estampadas em minha face. Seres que não tive a oportunidade de apreciar nem de aprender alguma coisa. Uma dor correu, uma falta, um vazio. Senti que eu estava em um mundo falso e mentiroso, que não deveria de ser desse jeito. Em minha longa vida, achei que havia, em algum ponto da história, dormido profundamente e, ainda hoje, esquecido de acordar. Tomado por este sentimento, paramos em frente a mais uma outra espécie. Com esta, porém, eu já havia tido algum contato:

_Licantropos! _Falou Malberon, reparando com olhos amendoados, aparentemente maravilhado com a cúpula onde estava um deles, como se aquela lhe proporcionasse uma satisfação especial. _Organizados de uma maneira sem igual, habitavam todos os cantos do continente, variando em inúmeras “subespécies”. Até mesmo aqui, de uma região para outra, eram notáveis suas diferenças. Os Lupinos do Norte tinham uma pelugem menos grossa e mais clara que os do Sul, que apresentavam tons mais acinzentados. Dividiam-se em grupos, ou “matilhas”, e se mesclavam aos humanos com facilidade. E ainda hoje, acredite, eles são muitos. Certamente todos os dias você se depara com algum, no centro da cidade, caminhando como uma pessoa qualquer. Nas faculdades, estão em praticamente todos os cursos. Pessoas comuns, transmorfos com a capacidade de virarem lobos quando bem quiserem. Os populares “lobisomens”. Você não esteve aqui quando tivemos os primeiros contatos com eles. Guerras sangrentas ocorreram entre licantropos e vampiros, disputas travadas entre matilhas e clãs por territórios e pontos estratégicos.

_A vitória sorriu aos vampiros? _Indaguei.

_A vitória sempre contempla os imortais! Esta é a sina e a bênção de quem tem as ondas do tempo a seu favor. Mas devo relatar que foram e são adversários formidáveis. Fortes, ágeis, astutos e disciplinados. Não disputam nosso “rebanho”, pois se alimentam de qualquer tipo de carne, odeiam-nos mais por nossa invasão. _Concluiu, deixando um sorriso singelo e amarelado, que transpareceu como um sorriso velho e gasto de triunfo antigo.


CONTINUA....

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